segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Rússia abre museu em homenagem ao ditador comunista Josef Stalin e homenageia "legado" do antigo líder soviético

Um busto de Josef Stálin está no gramado diante de uma casa convertida em museu nesta pequena vila onde, segundo consta, o líder soviético teria passado a noite em sua única visita ao front durante a Segunda Guerra Mundial. Dentro da casa, a diretora do museu, uma mulher robusta armada de um ponteiro (haste de madeira usada por professores), conduz um grupinho de estudantes pré-adolescentes pela casa de dois cômodos. No local, em agosto de 1943, Stálin discutiu estratégia militar com seus generais enquanto o Exército Vermelho lutava para expulsar as tropas nazistas do país.

Em um momento em que a Rússia está isolada no palco mundial e enfrenta problemas econômicos crescentes, está cada vez mais em voga fazer um relato resumido de seus triunfos passados. O presidente Vladimir Putin frequentemente cita a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial –a conquista mais alardeada de Stálin– quando promete resistir ao Ocidente e defender os interesses do país.

"Evidentemente, começamos a enxergar Stálin sob uma ótica mais favorável", disse Sergei Zaborovsky, operador de tours a serviço da Sociedade de História Militar. "Por que neste momento? Talvez porque nossa situação no mundo não esteja ótima agora. Precisamos de força. Precisamos de alguma coisa que nos una." Após a queda da União Soviética, em 1991, o legado de Stálin foi mantido vivo pelo Partido Comunista, cujos membros levavam seu retrato a comícios políticos, defendiam suas políticas de modernização e nunca deixavam de comemorar seu aniversário, em 21 de dezembro.

Stálin teria nascido na realidade no dia 18 de dezembro, mas, mesmo assim, os comunistas esperariam até esta segunda-feira para depositar flores sobre seu túmulo, na praça Vermelha, em Moscou. Depois de sua morte, em 1953, o corpo de Stálin foi colocado no Mausoléu de Lênin, mas, em 1961, depois de seu sucessor ter denunciado o culto à personalidade de Stálin, o corpo foi transferido para o cemitério atrás do mausoléu. Os comunistas idosos continuam a sair em fotos, mas são em grande medida ignorados; apesar disso, a versão melhorada que apresentam de Stálin está cada vez mais saindo das margens para o discurso cultural dominante.

A parcela dos russos que dizem ter uma visão negativa de Stálin não para de cair, passando de 43% em 2001 para 20% hoje. E uma maioria crescente afirma não ter condições de avaliar corretamente o período que Stálin esteve no poder. Museus e bustos em homenagem a ele estão surgindo por toda parte do país, especialmente neste ano, quando os russos comemoram o 70º aniversário de sua vitória no que chamam de "A Grande Guerra Patriótica". O museu em Khoroshevo, a três horas de carro de Moscou, é um dos que foram abertos neste ano na região de Tver pela Sociedade de História Militar, que está sob a direção do ministro da Cultura.

Faz parte do tour o "Caminho para a Vitória", que também inclui monumentos de guerra e uma construção destruída pelo fogo durante a guerra. O museu enfoca os triunfos militares e econômicos de Stálin, sem mencionar qualquer de suas falhas militares, qualquer outro aspecto negativo da guerra ou as três décadas de Stálin no poder. A diretora do museu de Khoroshevo, Lydia Kozlova, responde bruscamente à sugestão de que o local daria uma visão unilateral aos visitantes. Ela é igualmente brusca quando comenta as interpretações históricas "ocidentais", segundo as quais Stálin foi um ditador. "Este não é o Museu de Stálin", ela reitera várias vezes.

"Stálin não foi um anjo, longe disso, mas cuidou da segurança dos cidadãos", disse Kozlova, cercada de cartazes com a foto do líder e de artigos elogiosos sobre suas façanhas militares. "A finalidade deste museu é guardar a nossa história, proteger os fatos." "Representar Stálin como um grande líder que fez cálculos maquiavélicos é, na melhor das hipóteses, preocupante", considera a organização russa de defesa dos direitos humanos Memorial.

A entidade reuniu documentos históricos sobre a repressão política movida por Stálin e trabalha para perpetuar a memória de suas vítimas. Estudiosos estimam que mais de 1 milhão de pessoas tenham sido executadas nos expurgos políticos movidos pelo governo de Stálin. Outros milhões de pessoas morreram devido aos maus-tratos e trabalhos forçados do imenso sistema de campos de prisioneiros –o chamado gulag–, à fome em massa na Ucrânia e no sul da Rússia e às deportações de minorias étnicas.

A Memorial pede que as imagens de Stálin sejam retiradas dos espaços públicos. "É claro que não gostamos do fato de este museu ter sido aberto", disse a historiadora Yelena Zhemkova, da organização. O Kremlin vem evitando condenar ou sancionar Stálin de modo categórico, mas crescem os esforços para submeter a narrativa histórica ao controle do governo e amordaçar pessoas, museus e organizações não governamentais que não interpretam a história "corretamente". Neste ano, a Memorial foi declarada "agente do exterior" –uma qualificação que gera um estigma e dificulta o trabalho do grupo.

No início do ano, o respeitado museu do gulag Perm-36 também foi classificado como agente do exterior e foi forçado a fechar suas portas, sob pressão de autoridades culturais que afirmaram que ele não mostrava corretamente a fértil vida cultural que teria existido nos campos de trabalho. Um novo museu foi aberto posteriormente com o mesmo nome, Perm-36, contendo amostras descritas como sendo mais "historicamente precisas". Na véspera de 30 de outubro, dia da memória das vítimas de repressões políticas, um grande museu estatal do gulag foi inaugurado no centro de Moscou.

A organização Memorial enxerga isso como um sinal positivo, mas Zhemkova pede prudência, observando que o museu pertence ao governo. Os objetos expostos no novo museu evitam promover uma crítica do sistema soviético, mas oferecem um retrato preciso do sistema do gulag. Lev Gudkov, diretor do Centro Levada, organização independente que fez uma pesquisa ampla sobre a percepção pública de Stálin, diz que é pouco provável que uma campanha ampla de "desestalinização" seja promovida no futuro próximo. Reconhecer que o sistema soviético como um todo foi criminoso levaria a "um colapso completo de identidade" de muitos russos, disse ele.

"Eles não negam o que Stálin fez, mas preferem enxergá-lo como soberano majestoso, não como líder controverso." Leonid Kavtza, professor de história no Ginásio 1543, em Moscou, diz que os russos ainda nutrem ideias de grandeza imperial. "Eles têm nostalgia de algo grandioso que nunca poderá ser recriado. Mesmo quando eu era criança, sob o governo de Leonid Brezhnev, me lembro de ouvir as pessoas dizendo 'ah, se Stálin estivesse aqui!'. Se a loja colocava verduras estragadas à venda, diziam 'ah, se Stálin estivesse aqui!'. Se havia uma fila na clínica, 'ah, se Stálin estivesse aqui'. Mas nunca houve essa pessoa. Estavam pensando em um Stálin mítico."

E, até agora, o currículo federal de história não tem feito nada para contrariar essas ideias sem fundamento sobre a grandeza de Stálin. Diante da abordagem cautelosa do Kremlin em relação a Stálin e da exaltação da Segunda Guerra Mundial, mais e mais pessoas estão preenchendo o silêncio com elogios comedidos. "É importante não esquecermos aqueles que ajudaram a criar o ambiente pacífico em que vivemos hoje", disse Irina Mikhailova, professora em uma escola de Khoroshevo. "O museu de Stálin é muito importante para nós. Temos orgulho de tê-lo na cidade."

- Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/12/1721009-russia-inaugura-museus-sobre-stalin-e-lida-com-o-legado-do-lider-sovietico.shtml
A entidade reuniu documentos históricos sobre a repressão política movida por Stálin e trabalha para perpetuar a memória de suas vítimas. Estudiosos estimam que mais de 1 milhão de pessoas tenham sido executadas nos expurgos políticos movidos pelo governo de Stálin. Outros milhões de pessoas morreram devido aos maus-tratos e trabalhos forçados do imenso sistema de campos de prisioneiros –o chamado gulag–, à fome em massa na Ucrânia e no sul da Rússia e às deportações de minorias étnicas.

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